Declaração Científica sobre a Erradicação da Poliomielite de 2022: Um mundo livre da pólio é urgente

Dr. Zulfi Bhutta

Chair of Child Global Health, Hospital for Sick Children, Canada, and Professor, Aga Khan University
Pakistan

Dr. Nísia Trindade Lima

President, FIOCRUZ
Brazil 

Dr. Rose Gana Fomban Leke

Chair, Africa Regional Certification Commission and Professor, University of Yaounde
Cameroon

Dr. Ilesh Jani

Director-General, Instituto Nacional de Saúde (National Institute of Health)
Mozambique

Dr. Maha Barakat

Director General of the Frontline Heroes Office, Senior Advisor at Mubadala, and former Director General of the Health Authority Abu Dhabi United Arab Emirates

Declaration Co-leads:

Dr. Walt Orenstein

Associate Director, Emory Vaccine Center, Emory University
United States

Dr. Naveen Thacker

President-Elect, International Pediatric Association
India

Dr. Oyewale Tomori

Past President, Nigerian Academy of Science and Professor, Redeemer’s University
Nigeria

Dr. George Gao

Vice President, National Natural Science Foundation of China and Dean, Medical School of the University of Chinese Academy of Sciences
China


A pandemia da COVID-19 causou a crise de saúde pública e imunização mais prolongada de toda uma geração, e resultou na diminuição considerável do número de crianças vacinadas. Em termos da luta para erradicar a pólio, esta realidade se conecta a outros desafios, tais como conflitos e catástrofes naturais relacionadas com a crise climática, que ameaçam as conquistas e avanços que alcançamos com tanta dificuldade.

A pólio é uma doença altamente infecciosa que pode causar paralisias irreversíveis e que, nos últimos cem anos, custou a vida de muitas pessoas. Em 1988, registava-se a ocorrência de cerca de 350.000 casos anuais de poliomielite selvagem paralítica em mais de 125 países¹. Mas, graças aos esforços heroicos de trabalhadores da linha da frente, comunidades, governos e parceiros internacionais, administraram-se vacinas contra a pólio a centenas de milhões de crianças, e os casos de pólio sofreram uma redução de 99,9%². Estes esforços de vacinação evitaram que cerca de 20 milhões de crianças contraíssem paralisias³.

 Hoje em dia, o Paquistão e o Afeganistão são os dois últimos países que ainda têm o vírus da pólio selvagem de maneira endêmica. Este ano, até ao dia 25 de agosto de 2022, foram registados 15 casos de poliomielite selvagem num surto concentrado no Paquistão⁴, sendo todos eles isolados ao sul de Khyber Pakhtunkhwa e um caso na província vizinha de Paktika, no Afeganistão. O mundo tem agora a oportunidade histórica de eliminar para sempre a pólio.

Contudo, o avanço da comunidade mundial em direção à eliminação da doença continua a ser frágil. Nas regiões com alto risco de transmissão da pólio, os obstáculos em relação à cobertura vacinal de todas as crianças  continuam a persistir. Os conflitos e a insegurança dificultam os serviços e complicam as árduas atividades dos trabalhadores de saúde, e as pessoas continuam a recusar vacinas devido à desinformação e ao cansaço comunitário, acentuado pelas experiências sofridas durante a pandemia da COVID-19. Estes desafios permitem que os últimos focos de transmissão da pólio selvagem se mantenham e contribuam para a continuação de surtos de poliovírus variante (poliovírus circulante derivado da vacina [cVPDV]), que pode ocorrer em comunidades com pouca ou nenhuma imunização.

Neste momento específico, nós, um grupo internacional de cientistas e peritos de saúde, nos unimos para salientar a necessidade urgente de erradicar a pólio e apoiar enfaticamente o Plano Estratégico de 2022-2026 da Iniciativa Global para Erradicação da Pólio - ou IGEP (Global Polio Eradication Initiative, GPEI). A estratégia visa transpor os obstáculos que ainda existem, reforçar os sistemas de saúde dos países afetados e conseguir alcançar um mundo livre da pólio até 2026.

Como pediatras, médicos clínicos, epidemiologistas e especialistas em doenças infecciosas, afirmamos que:

1. Recentes desafios salientam a necessidade urgente de erradicar a poliomielite.

  • Um surto de poliovírus selvagem tipo 1, que ocorreu este ano no Malawi e em Moçambique e está geneticamente ligado à poliomielite detectada em 2019 no Paquistão, salienta a importância de todos os países darem prioridade às atividades de imunização para impedir futuras importações, ao mesmo tempo que continuam os esforços para pôr fim de maneira permanente a transmissão da pólio no Paquistão e no Afeganistão.

  • A recente descoberta do poliovírus no Reino Unido e nos Estados Unidos, países que eliminaram há décadas a pólio, demonstra mais uma vez que o poliovírus ainda é uma ameaça em todas as partes.

  • A escala sem precedentes das inundações e deslocamento de pessoas, verificadas este ano nas províncias de Sindh e Baluquistão, no Paquistão, ameaçam introduzir novas rupturas nos serviços de imunização, impedindo a eliminação da pólio. Isso deve ser evitado a todo o custo.

  • Os surtos de variantes do poliovírus constituem uma ameaça grave e crescente em populações pouco ou nada imunizadas, particularmente em certas regiões da África de difícil acesso.

2. Com novas ferramentas e abordagens - incluindo a nova vacina oral da pólio - acreditamos ser possível alcançar a erradicação do vírus.  

  • As vacinas contra a pólio são altamente eficazes, conforme demonstrou a erradicação dos tipos selvagens 2 e 3 em 2015 e 2019, respectivamente. O único poliovírus selvagem que persiste é o do tipo 1. Mas é a vacinação em massa que evita a pólio, e não as vacinas sozinhas. É essencial vacinarmos todas as crianças, até à última, para acabarmos com as cadeias finais de transmissão e erradicarmos a doença.

  • A Estratégia da IGEP para 2022-2026 faz acelerar o lançamento de uma nova ferramenta – a nova vacina da pólio oral tipo 2 (nVPO2) – para ajudar a pôr fim aos surtos de variantes do poliovírus de forma mais sustentável.  Já foram administradas quase 500 milhões de doses da nVPO2 em 21 países. A seguir à utilização da nVPO2 em grande escala, em 2022, não se verificaram novos casos de cVPDV2 a nível mundial, e os dados de vigilância continuam a demonstrar que o vírus da vacina não sofreu mutação para uma forma virulenta.

  • O objetivo desta estratégia é combater a desinformação sobre a vacina através de novas ferramentas de escuta social, juntamente com um alto nível de engajamento com as comunidades e influenciadores locais, de forma a desenvolver a confiança na vacina e a aceitação da mesma.

  • O plano reforma as parcerias do programa com países endémicos, afetados e de alto risco, ajudando os respectivos governos a melhorar a gestão e operações das campanhas de vacinação ao mesmo tempo que se integram melhor as atividades relacionadas com a pólio nos serviços normais de imunização e se ampliam programas de saúde que satisfaçam as necessidades das comunidades.  

3. Os esforços para erradicação da pólio reforçam consideravelmente a preparação para as pandemias, bem como os sistemas de saúde e imunização do mundo inteiro.  

  • As ferramentas, infraestrutura e conhecimentos desenvolvidos para erradicar a pólio têm salvado inúmeras vidas no mundo inteiro. Há muito que os indivíduos que trabalham com a pólio têm fornecido às crianças outras intervenções e serviços de saúde importantes, incluindo vacinas contra o sarampo e outras imunizações de rotina, registos de nascimento, conselhos sobre a amamentação, suplementação de vitamina A, promoção da lavagem das mãos e prevenção e tratamento da diarreia.  

  • O programa da pólio estabeleceu um sistema ativo de vigilância mundial inédito em termos de escala e capacidade, e inclui 145 laboratórios espalhados por 92 países. Esta rede tem sido utilizada para outros fins além da erradicação da pólio, incluindo a detecção e resposta à COVID-19 e a outras ameaças de saúde pública, como o sarampo, febre amarela, tétano neonatal e gripe aviária. Este sistema de vigilância, amplo e de alta qualidade, assegura uma detecção precoce de surtos e campanhas de resposta rápidas, minimizando o risco e as consequências de uma propagação adicional.

  • Desde os primeiros dias da pandemia da COVID-19 que o pessoal, recursos e infraestruturas dedicados à pólio no Paquistão, Afeganistão e muitos países afetados pela pólio na África têm sido essenciais como primeira linha de defesa do combate à COVID-19. O conhecimento dos trabalhadores da pólio e as ferramentas desenvolvidas para rastrear o vírus e fornecer vacinas continuam a apoiar os governos, à medida que estes vão respondendo à pandemia.

  • Um investimento na pólio é também um investimento na saúde e nos sistemas de informação em geral, incluindo no reforço da preparação e resposta às pandemias, conforme demonstrado pelo apoio crucial que o programa da pólio tem prestado a outras emergências sanitárias. Os estados mais frágeis, em particular, dependem grandemente das infraestruturas da pólio e do financiamento da IGEP para viabilizar imunizações e cuidados de saúde primários.

4. Os esforços para erradicação da poliomielite devem ser completamente financiados. Caso contrário, criam-se riscos e consequências inadmissíveis.  

  • O investimento na erradicação da pólio é altamente rentável e pode vir a poupar cerca de US $33,1 bilhões neste século, em comparação com o custo de controlar apenas o vírus e responder continuamente aos surtos⁵.  

  • Falhar em combater a erradicação e o subsequente fim da IGEP poderiam resultar num ressurgimento mundial da poliomielite, causando um número consideravelmente maior de casos de poliovírus selvagem (PVS) e um aumento da propagação de surtos de variantes do poliovírus⁶. Teria também um impacto extremamente negativo nos esforços de imunização em geral e na equidade das vacinas, particularmente no caso de Programas Ampliados de Imunização (PEI), em países do mundo inteiro.

Nós, membros da comunidade científica mundial, declaramos a nossa convicção continuada de que a erradicação da poliomielite é viável e urgentemente necessária. Apelamos para que:

  • Os líderes dos países endêmicos permaneçam totalmente dedicados e se responsabilizem pelo fim da transmissão

  • Os líderes dos países afetados pela pólio priorizem respostas urgentes e de alta qualidade aos surtos, as quais incluam atividades de vacinação ampliadas, uma vigilância intensificada e a devida segurança dos vacinadores e pessoal de apoio

  • Os parceiros da IGEP se comprometam a reforçar a integração entre todas as atividades de vacinação contra a pólio, imunizações de rotina e outras iniciativas de saúde essenciais nas comunidades afetadas pela pólio

  • Os parceiros e doadores financiem integralmente o Plano Estratégico da IGEP para 2022-2026

  • A sociedade civil e os líderes comunitários reforcem os seus compromissos de ativismo, de forma a continuarem a apoiar os esforços para pôr fim à pólio

O alcance e conservação de um mundo livre de pólio significa que cada criança fica protegida para sempre contra a paralisia causada por esta doença devastadora e evitável, e que nenhuma família jamais terá de enfrentar novamente a tragédia da pólio. Devemos trabalhar juntos e aproveitar esta oportunidade para colocar de uma vez para sempre a pólio nos anais da história.

Assine a declaração

Por favor, preencha o formulário abaixo para incluir seu nome na Declaração Científica sobre a Erradicação da Poliomielite de 2022.

  1. CDC: Epidemiologia e Prevenção de Doenças Evitáveis por Vacinação, Capítulo 18: Poliomielite. https://www.cdc.gov/vaccines/pubs/pinkbook/polio.html

  2. OMS: Ficha Técnica sobre a Poliomielite. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/poliomyelitis

  3. Caso de Investimento da IGEP em 2022-2026. https://polioeradication.org/wp-content/uploads/2022/04/GPEI-Investment-Case-2022-2026-Web-EN.pdf

  4. IGEP: A Pólio Esta Semana, 2 de Agosto de 2022. https://polioeradication.org/wp-content/uploads/2022/07/weekly-polio-analyses-WPV-20220726.pdf

  5. Caso de Investimento da IGEP em 2022-2026. 24 de Abril de 2022. https://polioeradication.org/wp-content/uploads/2022/04/GPEI-Investment-Case-2022-2026-Web-EN.pdf

  6. OMS: Poliomielite: A pólio ainda existe? É curável? 14 de Março de 2018. https://www.who.int/news-room/questions-and-answers/item/does-polio-still-exist-is-it-curable.